Cafeicultores argumentam que
cotação da bolsa está abaixo dos custos de produção e pode não ser o mecanismo
correto de formação de preços
POR RAPHAEL SALOMÃO
Cafeicultores reclamam de
baixos preços do café (Foto: Fabiano Accorsi/Ed. Globo)
Cafeicultores
estão questionando a eficiência do contrato da Bolsa de Nova York, o chamado
Contrato C, para a formação dos preços internacionais do café. Em comunicado, o
Grupo de Coordenação do Fórum Mundial de Produtores de Café manifestou sua
preocupação, considerando que as cotações atuais não estão cobrindo os custos
de produção.
“Preocupa
os países produtores e outros atores que o contrato C atual não seja o
mecanismo correto para se saber o preço e que, ao permitir o empobrecimento dos
produtores, a indústria do café está arriscando seu próprio futuro”, diz.
O
comunicado é assinado por associações de produtores de diversas partes do
mundo, como México, Colômbia, Índia, Vietnã, além de representações coletivas
de países africanos e centro-americanos. Da parte do Brasil, são signatários o
Conselho Nacional do Café (CNC) e a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA,
na sigla em inglês).
A
preocupação dos produtores é reforçada pelo momento de queda nas cotações do
café bolsa norte-americana (ICE Futures US), onde os contratos são negociados a
valores abaixo de US$ 1 por libra peso. Só para ser ter uma ideia, desde 25 de
janeiro, quando atingiu a máxima do ano, de US$ 1,0990, o vencimento para maio
de 2019 teve desvalorização de mais de 14% até a quarta-feira (27/3), quando
fechou a US$ 0,9385.
Diante
desse cenário, as entidades representativas dos produtores argumentam que o
Contrato C sofreu mudanças ao longo do tempo e que, hoje, é reconhecido que as
cotações estão abaixo dos custos. Afirmam ainda que uma das causas dessa
situação é a especulação feita por fundos de investimento que “não compreendem
ou não se importam com o café”.
No
texto, o grupo lembra, citando dados da Organização Internacional do Café
(OIC), que o café é produzido por cerca de 25 milhões de famílias ao redor do
mundo. A maior parte é de pequenos produtores, que enfrenta dificuldades de
conseguir renda. E avalia que o empobrecimento dos cafeicultores está
destruindo o tecido social de mais de 40 países na África, Ásia e América
Latina.
Entre
as consequências dessa situação, os países produtores citam o alto fluxo
migratório para os Estados Unidos e regiões da Europa e, em alguns casos, a
troca dos cafezais por lavouras ilegais. Mencionam também o comprometimento da
qualidade do café, já que a queda nos rendimentos inviabiliza os cuidados
adequados com a lavoura.
“A
promessa de sustentabilidade foca apenas em dois dos seus aspectos: ambiental e
social. A sustentabilidade econômica, a renda dos cafeicultores, tem sido
descuidada pela cadeia de valor com a premissa de que o mercado é o mercado e
devemos deixá-lo governar”, diz o comunicado.
Conselho
O
posicionamento, datado de 26 de março, foi distribuído em Nairobi, capital do
Quênia, onde é realizada a 124ª sessão do Conselho Internacional do Café (ICC,
na sigla em inglês). O encontro, com participação brasileira, vai até esta
sexta-feira (29/3) e discute assuntos relativos à produção e o mercado de café.
“Existem
sim, muitos questionamentos a respeito do contrato C. O Brasil mesmo, por
diversas vezes, fez esse questionamento. Todos nós estamos tentando compreender
o mercado e encontrar caminhos para os baixos preços”, explica o deputado
federal Evair Melo (PV-ES), que integra a delegação brasileira em Nairobi e
respondeu à reportagem via internet.
Segundo
o parlamentar, o comunicado foi uma iniciativa dos países produtores, para
fomentar o debate sobre a formação de preços. Melo reconhece a complexidade da
situação. Avalia que governos e políticas públicas podem ajudar a cafeicultura,
mas são insuficientes. De outro lado, não se deve entregar todas as decisões ao
mercado livre.
“Em
algum momento, será feito um diálogo com a indústria. Todos os esforços serão
feitos e todos os atores serão chamados”, afirma o deputado.
Representante
do Brasil junto a organizações internacionais sediadas em Londres, entre elas a
Organização Internacional do Café (OIC), o embaixador Hermano Telles Ribeiro
lembra que a dificuldade com os preços praticados no mercado de café não é
nova. E que há anos se discute, no âmbito da própria OIC meios de se mitigar
seus efeitos negativos.
O
diplomata lembra que o mercado global de café movimenta cerca de US$ 200
bilhões por ano. Desse total, US$ 180 bilhões circulam nas regiões
classificadas como consumidoras de café. Ao países produtores e exportadores,
resta a fatia de US$ 20 bilhões.
“É
preciso discutir uma estratégia comum, pensar em como podemos trabalhar em
conjunto, harmonizar a visão dentro de uma tendência de aumento de consumo de
café”, diz ele, que também está em Nairobi e conversou por telefone com Globo
Rural
O
embaixador pontua apenas que a discussão entre países produtores e consumidores
de café deve considerar como princípio o livre mercado. “Estamos em um mercado
que é livre e esse é o jogo. A resposta tem que ser dada pelo conjunto de
países da família do café sem considerar qualquer método artificial de controle
nem medidas unilaterais”, diz ele.
Fonte: Site Globo Rural